A Motivação da Sentença Civil, de Michele Taruffo, reconhecidamente um dos maiores processualistas da tradição ocidental, é sem dúvida um clássico da cultura processual civil. É uma grande alegria poder apresentar a sua versão em nossa língua à comunidade jurídica. Trata-se de um livro de imenso valor e que marca um momento importantíssimo da história da cultura processual civil e do seu desenvolvimento, cuja publicação em português certamente enriquece sobremaneira a bibliografia jurídica nacional.
Michele Taruffo escreveu este livro em meados da década de setenta do século passado e com ele conquistou a cátedra de direito processual civil da Università degli Studi di Pavia. Naquele momento, vivia-se o rescaldo da crise do positivismo jurídico, bem como a construção das bases das teorias da interpretação, argumentação e justificação das decisões judiciais, temas que obviamente incidem sobre a temática da motivação da sentença. Cuida-se de contexto já bem salientado pelo nosso próprio Autor em sua Introdução à Edição Brasileira. É preciso perceber, porém, que a própria cultura processual civil atravessava um momento muito rico nesse mesmo período, sendo a obra de Taruffo inquestionavelmente responsável pela incorporação de novas perspectivas de análise do processo civil.
Na Itália, o aparecimento da sistemática processual civil no início de Novecentos decorre da superação do método exegético francês, em voga nos Oitocentos, cujo principal difusor é Giuseppe Chiovenda, devidamente cercado pelo primeiro Calamandrei, por Liebman e por Francesco Carnelutti. A preocupação está na construção do sistema processual civil – de seus conceitos – com o auxílio da história, especialmente a do direito romano e das suas vicissitudes ao longo das experiências jurídicas francesas, germânicas e italianas. Esse modelo se esgotou no exato momento em que a processualística começou a perceber a necessidade de deixar o juristischen Begriffshimmel e preocupar-se com a tutela do direito material e com a realidade social. Pela mão do segundo Calamandrei, já na metade de Novecentos, temas constitucionais e sociológicos começam a despertar a atenção da nova geração de processualistas. Vittorio Denti, em Pavia, e Mauro Cappelletti, em Firenze, tomam essa nova estrada. Além de empregarem a história não mais com um sentido de legitimação das construções processuais, mas como um instrumento para reforma das instituições, Denti e Cappelletti valem-se do direito comparado com o mesmo sentido de transformação e com um espectro mais amplo de alcance: a comparação deixa de ser restrita à tradição continental e projeta-se também sobre o mundo do Common Law.
Michele Taruffo inicia seus estudos exatamente nesse turning point. Tivesse batido às portas do uffìcio pavese de Denti apenas um ano antes, teria sido enviado para a Alemanha para estudar a dogmática tradicional do processo civil. Aparecendo no momento em que apareceu, foi o primeiro aluno de Denti a ir estudar o processo civil de Common Law – cujo primeiro fruto acadêmico foi o seu texto seminal na doutrina processual civil italiana sobre as class actions estadunidenses (“I Limiti Soggettivi del Giudicato e le Class Actions”, Rivista di Diritto Processuale, 1969). Já em seus dois primeiros livros (Studi sulla Rilevanza della Prova, 1970, e La Motivazione della Sentenza Civile, 1975), porém, é possível perceber que Taruffo não significa apenas a recolha da cultura daqueles que o precederam: nele já se pode reparar a incorporação de novos horizontes para processualística, na medida em que conceitos filosóficos e epistemológicos começam a comparecer à ciência processual pelas suas mãos. Além disso, Taruffo vale-se não só da filosofia e da epistemologia puras, mas também da teoria do direito e da filosofia do direito para as suas construções teóricas.
Eis aí um novo salto: além de refinado dogmaticamente, preocupado com a tutela dos direitos, com a realidade social e atento à história e ao direito comparado como um todo, o processo civil incorpora às suas preocupações questões filosóficas, epistemológicas, de teoria geral do direito e da sua filosofia. E a obra aqui apresentada, mais do que testemunhar esse riquíssimo momento para o processo civil, verdadeiramente o encarna. Daí a razão pela qual é um enorme prazer apresentá-la à comunidade acadêmica brasileira.
A tradução da obra foi feita a seis mãos: Vitor de Paula Ramos traduziu o primeiro capítulo e o apêndice. Rafael Abreu traduziu em parte o quinto capítulo. O restante do livro foi traduzido por Daniel Mitidiero, que também se encarregou da sua completa revisão. Maria Angélica Feijó organizou as referências bibliográficas ao final. Por expressa indicação de Michele Taruffo, a edição brasileira não conta com o último capítulo da edição original italiana, que trata do controle da adequação da motivação pela Corte di Cassazione. Por uma questão de fidelidade e para facilitar a comparação entre as edições, optou-se por manter as alusões ao capítulo sétimo que existem ao longo da obra. Por fim, acrescentou-se em apêndice a tradução do ensaio «La Riforma delle Norme sulla Motivazione della Sentenza», dado o óbvio interesse no tema.
Esperamos, de resto, que a versão brasileira deste clássico trabalho de Michele Taruffo colabore para que tenhamos uma justiça civil mais afinada com os ideais de protetividade que impregnam o direito ao processo justo, do qual a motivação é corolário inafastável. E, é claro, receba a mesma atenção que a crítica especializada no mundo a essa também justamente dedicou.
Porto Alegre, RS, Curitiba, PR, no Outono de 2014.
Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero
Efectivamente Renzo el aporte de M. Taruffo es, usando un giro procesal, altamente relevante y sus libros, como el que se publica, son esenciales para comprender el «fin sustantivo» del proceso, idóneo para la defensa de los DDFF.
He traducido el comentario y es muy certero para explicar a la comunidad académica brasilera la valía del Maestro.
Gracias por el aporte.
Hebert
¡Excelente, Hebert! ¡Abrazos!